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Acompanhamento farmacoterapêutico no combate ao uso irracional de medicamentos

Somos um povo que usa (muito!) e abusa de medicamentos. O Brasil está entre os dez países que mais consomem medicamentos no mundo e que tem os maiores índices de automedicação. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, no Brasil existe uma farmácia (ou drogaria) para cada 3.300 habitantes. Quase 80% da população brasileira com mais de 16 anos usa medicamentos sem prescrição médica ou farmacêutica. Dentre as queixas que mais levam às pessoas a tomar remédios por conta própria, destacam-se: dor de cabeça, febre, resfriado, dores musculares, dores no estômago cólicas e alergias. (fonte: ICTQ, 2018).

Será que é seguro usar um medicamento porque a vizinha tomou e foi bom pra ela? E aquela vitamina D que o atleta faz propaganda nas redes sociais vai mesmo te trazer algum benefício pra saúde? Usar medicamentos por conta própria (ou qualquer outra substância, sem informação prévia sobre esta) pode ser perigoso para a saúde.

Devido à sua formação específica em medicamentos, o farmacêutico é o profissional de saúde habilitado para orientar em relação ao uso destes e de outras substâncias. Assim, seu papel é prevenir, detectar e resolver problemas relacionados ao uso de medicamentos, reforçando seu papel na assistência à saúde.

O uso racional dos medicamentos e a promoção da saúde

Os avanços científicos levaram ao desenvolvimento de um arsenal farmacológico que hoje nos permite tratar uma variedade de sintomas e doenças. Se usados da forma correta, os medicamentos são ferramentas poderosas na promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida.

Os efeitos terapêuticos dos medicamentos são estudados e comprovados através de estudos clínicos rigorosos, compostos de várias fases, que vão desde estudos em laboratórios até avaliações em grupos de pessoas e observações em populações maiores.

Pessoas que vivem com doenças crônicas podem ter uma vida normal e livre de sintomas graças aos efeitos benéficos dos medicamentos. Mas é importante lembrar que os medicamentos provocam outros efeitos no organismo, que podem ser desagradáveis e até prejudiciais. Por isso, o acompanhamento de um farmacêutico é fundamental para resolver problemas que podem surgir em consequência do uso de medicamentos.

O papel do acompanhamento farmacoterapêutico na otimização do tratamento medicamentoso

O sucesso do tratamento farmacológico depende da atuação dos profissionais de saúde, na escolha do melhor remédio para cada caso, e da participação ativa do paciente. Entretanto, podem ocorrer eventos relacionados com a falta de efetividade ou de segurança do medicamento, resultando em Problemas Relacionados com o Medicamento (PRM). Por exemplo, se por algum motivo, o paciente deixa de tomar o medicamento no horário, pode haver prejuízo no tratamento, reduzindo sua eficácia. Também podem ocorrer efeitos colaterais indesejáveis, na forma de sintomas que incomodam e que muitas vezes são tratados com outro medicamento, aumentando a quantidade de remédios tomados.

Atenção especial deve ser dada ao tratamento farmacológico em pessoas idosas: a polifarmácia inadequada e suas morbidades em idosos são um problema conhecido. Com o passar dos anos, ocorre um declínio da saúde em geral. Com isso, surge a necessidade de uso de suplementos e medicamentos. A condição de saúde do idoso aumenta o risco de efeitos adversos dos medicamentos. Interações medicamentosas ou intoxicação podem causar efeitos comportamentais e ter impacto no risco de quedas. Farmacêuticos têm muito a contribuir para o cuidado destes pacientes, pois são especialistas na avaliação dos benefícios do tratamento frente aos riscos apresentados.

pessoa em uma farmácia colocando em sua cesta de compras muitos medicamentos

Nas próximas seções, vamos falar um pouco sobre alguns PRM  e a importância de contar com o acompanhamento farmacoterapêutico para otimizar o tratamento.

Automedicação

Usar remédios por conta própria constitui uma prática chamada de automedicação. Geralmente acontece por influência de familiares, amigos e publicidades que recomendam o uso de um medicamento para tratar algum sintoma.

mulher seguindo dicas de automedicação da prima.

Algumas pessoas acreditam que certos remédios são inofensivos. O acesso livre e facilitado aos medicamentos sem prescrição contribui para essa crença. O desejo de resolver o sintoma rapidamente também é uma motivação para a automedicação. Mas é preciso ter em mente que um sintoma, ainda que leve, pode ser um sinal do início de um problema de saúde e requer a avaliação do médico. O uso de medicamentos pode mascarar o desenvolvimento de doenças, e ainda agravar o quadro de saúde.

Nenhuma substância é isenta de risco à saúde. O uso inadequado de qualquer substância pode causar danos ao organismo. Nosso corpo é sensível às variações químicas causadas pela alimentação e pelo uso de substâncias, naturais ou sintéticas. Assim como uma alimentação baseada em produtos industrializados – ricos em produtos químicos, pode causar danos à saúde, o uso frequente de remédios, vitaminas e suplementos pode afetar nosso equilíbrio biológico.

Os riscos da automedicação

Imagem de medicamentos fitoterápicos dentro e fora de um frasco de remédios e ao lado uma folha verde representando a origem natural destes medicamentos
Medicamentos fitoterápicos e remédios à base de extratos vegetais não são isentos de efeitos colaterais e não devem ser usados sem orientação de um farmacêutico.

A automedicação expõe as pessoas aos riscos dos medicamentos. Além de aliviar sintomas, eles também podem causar efeitos indesejáveis, interagir com alimentos outros medicamentos ou com a própria condição de saúde da pessoa (uma contraindicação). O uso de doses excessivas pode levar a intoxicação, que pode ocorrer mesmo com medicamentos de venda livre. Nestes casos, outros problemas de saúde podem surgir e o farmacêutico é o profissional capacitado para detectar a relação destes eventos com o uso do medicamento.

Também cabe falar sobre os fitoterápicos (medicamentos à base de extratos vegetais). Muitas pessoas acreditam que “se é de origem natural, mal não faz”. As plantas são fabricantes naturais de substâncias que podem ter efeitos variados no organismo. Da mesma forma que estes componentes produzidos pelas plantas podem produzir efeitos terapêuticos, também podem causar efeitos desagradáveis e interferir com outros medicamentos usados ao mesmo tempo. No caso dos derivados de plantas, é ainda mais preocupante pois nem sempre conhecemos todas as substâncias químicas presentes nos estratos, o que aumenta ainda mais o risco de PRM.

Intoxicação por medicamentos

No Brasil, os casos de intoxicação são registrados pela Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica presente em todas as regiões do Brasil. Esses dados são compilados, analisados e divulgados pelo SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas). De acordo com esses dados, desde 1996 os medicamentos ocupam a primeira posição como causa de intoxicações no Brasil. Em crianças, geralmente ocorre de forma acidental e pode ser muito perigoso, pois o corpo pequeno da criança é mais vulnerável aos efeitos tóxicos dos medicamentos. Em adultos, grande parte dos casos de intoxicação notificados se referem à tentativas de suicídio. Os casos graves de intoxicação levam à internação e óbito, e por isso são um importante problema de saúde pública. (Duarte et al., 2021) 

pessoa em uma farmácia colocando em sua cesta de compras muitos medicamentos

A intoxicação por medicamentos resulta do consumo excessivo, da falta de conhecimento das contraindicações e da prática da automedicação. Pode causar desde sintomas simples como tonturas, alergias, diarreia, enjoo e vômito até quadros mais graves que podem levar à morte. Os casos que envolvem medicamentos psicotrópicos são os mais prevalentes, e têm potencial de maior gravidade pois afetam o sistema nervoso central. Por outro lado, os medicamentos isentos de prescrição, como analgésicos e anti-inflamatórios – ácido acetilsalicílico, dipirona, paracetamol – ocupam a segunda posição no ranking de medicamentos que mais causam intoxicação. O uso incorreto (dose, frequência de uso) e as interações medicamentosas são as principais causas de intoxicação.

Acompanhamento Farmacoterapêutico

Farmacêutica negra de cabelos encaracolados e grisalhos prestando um atendimento farmacoterapêutico a uma mãe de pele branca e cabelos escuros e lisos e a seu filho no balcão de uma farmácia. A farmacêutica fornece informação e explicações sobre os medicamentos.

Em 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou um desafio global para segurança do paciente OPAS/OMS apresenta iniciativa para reduzir erros de medicação – OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org): reduzir em 50%, durante os cinco anos seguintes, os danos graves e evitáveis associados a erros de medicação. De acordo com a proposta da OMS, os países devem adotar estratégias focadas em: medicamentos com alto risco de dano por uso indevido; pacientes que tomam múltiplos medicamentos para diferentes doenças e condições; e pacientes que passam por transições de cuidados. O farmacêutico é o profissional capacitado para monitorar e avaliar de forma continuada a farmacoterapia do paciente com o objetivo de prevenir danos e melhorar os resultados em saúde.

O Conselho Federal de Farmácia através da Resolução nº 585/2013 regulamenta as atribuições clínicas do Farmacêutico. O farmacêutico clínico pode atuar em hospitais e clínicas, farmácias com ou sem manipulação, consultório farmacêutico; além de poder fazer atendimento domiciliar. O farmacêutico contemporâneo atua no cuidado direto ao paciente, promove o uso racional de medicamentos e de outras tecnologias em saúde, redefinindo sua prática a partir das necessidades dos pacientes, da família, cuidadores e sociedade.

A prática do Acompanhamento Farmacoterapêutico pelo mundo

Equipe médica composta por farmacêutica de pele branca que escreve e médico de pele branca que segura uma cartela de medicamentos. O Acompanhamento Farmacoterapêutico também pode ser realizado pelo farmacêutico junto a uma equipe médica em um ambiente clínico ou hospitalar.

As experiências mundiais mostram uma preocupação e um movimento do farmacêutico em estruturar suas atividades para um perfil mais clínico-assistencial. Em vários países a atuação do farmacêutico clínico ocorre nos sistemas públicos de saúde e sua importância é reconhecida tanto pelas equipes de saúde quanto pela sociedade. Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Holanda, Japão são exemplos de países que investem na atuação do farmacêutico clínico como parte integrante das políticas públicas de assistência à saúde.

O farmacêutico atua em conjunto com os demais profissionais de saúde. Essa cooperação é capaz de maximizar os benefícios terapêuticos do tratamento e evitar possíveis efeitos colaterais. As intervenções farmacológicas têm benefícios comprovados no tratamento de enfermidades, por outro lado, podem ocorrer eventos relacionados com a falta de efetividade ou de segurança do medicamento, resultando em Problemas Relacionados com o Medicamento (PRM). O acompanhamento farmacoterapêutico é um serviço essencial que tem como objetivo prevenir, identificar e resolver problemas decorrentes do uso de medicamentos. Além disso, o farmacêutico tem um papel importante na educação em saúde: oferece informação precisa em relação aos medicamentos, e orientação quanto à abordagens não-farmacológicas de promoção da saúde.

Experiências práticas e estudos realizados

Os resultados de estudos científicos não deixam dúvida: o acompanhamento farmacoterapêutico é um serviço que influencia positivamente na otimização terapêutica. No Brasil, um estudo premiado em nível nacional, realizado na UTI pediátrica de um hospital no Paraná mostrou que a atuação do farmacêutico clínico na equipe de saúde tem impacto na saúde do paciente, na redução de custos com medicamentos e no controle da infecção hospitalar. Neste estudo, o farmacêutico ofereceu suporte à decisão clínica do médico sobre o uso adequado dos antibióticos e acompanhou a evolução dos pacientes. Os resultados foram muito positivos: houve redução no tempo de tratamento e consequentemente das internações, redução no consumo dos antibióticos e redução dos casos de infecção hospitalar por bactérias multirresistentes. (Ricieri et a., 2012)

Os resultados positivos do acompanhamento farmacoterapêutico também são observados fora do ambiente hospitalar. O seguimento do farmacêutico após a alta contribui para a adesão ao tratamento e reduz a taxa de re-hospitalização. Nos trabalhos onde se avaliou este serviço em farmácias comunitárias, é evidente o benefício para a saúde como resultado da resolução dos PRM e da diminuição do uso de medicamentos desnecessários.

O acompanhamento farmacoterapêutico deve ser feito de forma estruturada e documentada. Os registros gerados neste processo podem ser de grande utilidade para o trabalho de outros profissionais de saúde que atendem o paciente, já que possui informações específicas sobre a farmacoterapia e sobre o seu estado de saúde. Portanto, o registro farmacoterapêutico constitui um complemento valioso da história clínica do paciente.

Leituras Complementares

Para saber mais sobre os benefícios do acompanhamento farmacoterapêutico, deixo aqui alguns estudos para leitura complementar.

  • ARMANDO P., SEMERÍA N., et al. Seguimiento farmacoterapéutico de pacientes en farmacias comunitarias. Aten Primaria, 36(3): 129-36. 2005
  • RICIERI MC, MELLO RG, et al. Impacto da atuação clínica do farmacêutico hospitalar no uso de antimicrobianos em uma Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca Pediátrica. CFF. 2012
  • SABATER D., FERNANDEZ-LLIMOS F., et al. Tipos de intervenciones farmacêuticas en seguimiento farmacoterapêutico. Seguimiento Farmacoterapeutico. 3(2): 90-97. 2005
  • SANTOS JF, MOURA RM, AZEVEDO EA. Pharmacotherapeutic follow-up and predictors factors of problems related to the use of medications in pediatric intensive care. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 13(1):0722. 2011

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